
De grande fazendeiro deixou um sítio para os cinco filhos e aos netos coube alguns ralos alqueires no curso natural das proporções que se afunilam a cada geração.
O meu quinhão transformou-se num apartamentozinho do Jardim Irajá. Na inauguração o Batata e o Difrente lá estavam, como tantos outros.
Lembrei-me deles, dos dois, daquelas noites intermináveis de centenas de encontros...
Aqui vai mais um texto do Batata, fechado em 7 de Janeiro de 2005.
A Mansidão do Barulho
O barulhento casal de maritatacas pousa na paineira. Hortência, continuando a esfregar roupa no batedouro da bica, desvia olhar buscando os pássaros camuflados na folhagem da gigantesca árvore. Endireita o corpo matronal, enxuga as mãos no avental e procura, a favor do sol, uma posição melhor para localizar os barulhentos.
Outros pássaros começam chegar. Logo são dezenas. A cacofonia estridente é tão irritante que até as galinhas do terreiro param de ciscar e olham na direção da algaravia. Joaquim, neto da Hortência, aparece na janela. Loguinho sai ao terreiro, acompanhado pelo irmão menor Tiago, ambos armados com estilingues. A avó passa-lhes um "pito", toma as atiradeiras. Volta ao tanque, enxágua as roupas ensaboadas e as coloca em uma bacia grande. Chega à escadinha que acessa a cozinha, pede uma canequinha com café. Diz: "Vou descansar as pernas no banquinho". Sentada, tira do bolso um cigarro de palha, acende. Recosta-se na parede da casa, olha a arvore amiga cheia de pássaros verdes e procura distingui-los entre as folhas.
Nas baforadas, as lembranças voltaram sua juventude.
Corpo alto e esbelto, torneado em linda plástica das jovens negras. Olhos puxados, porem grandes; testa alta e larga. Boca rasgada entre lábios carnudos. Cabelos geralmente cobertos por lenço branco . Colorido só nas festas. Humor alegre e comunicativo, gostava muito de cantar modinhas e musicas do coro da capela. Dois irmãos mais velhos; pais que mostravam o amor com severidade branda e tranqüila. Vida simples, felicidade suave .
Na festa da capela, reparou que o rapaz bonito reparava nela. Quase assustou quando percebeu que o rapaz era o Sebastião. Foram criados juntos, sempre muito amigos e ela não deu conta o quanto o Tião era tão rapaz.
De ontem para hoje tornou-se bonito e interessante. Ambos, naquela hora, experimentavam sentimentos semelhantes. Perceberam isso. Depois, por tempo, ficaram confusos demonstrando certa indiferença mútua. O namoro aconteceu após negaças . . .
Foi crescendo o amor, foi crescendo, crescendo no feliz casamento. Feliz mesmo. " Feliz até hoje ", pensou Hortência.
Desceu os olhos da copa amiga da paineira para a sombra da imensa árvore. Ali, sentado no banquinho de três pernas, Sebastião caprichava na arte de fazer balaios. Hortência adocicou com jovem ternura o seu olhar.
A filha, esperando a mãe beber o café, comentou:
--- Passarim barulhento. Ainda bem que buscaram rumo.
Hortência respondeu, meio distante:
--- Nem reparei.E sorriu com mansidão realizada...
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